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#MOMENTOS

Momentos são pequenas fracções de tempo em que algo, único e irrepetível, acontece e que o fotógrafo teve a capacidade de captar! Mostram-nos movimento, emoção e contam-nos uma história.

#MOMENTOS

Momentos são pequenas fracções de tempo em que algo, único e irrepetível, acontece e que o fotógrafo teve a capacidade de captar! Mostram-nos movimento, emoção e contam-nos uma história.

08
Jul13

Picaria à Vara Larga

Armando Isaac

jogos de virilidade

 

 

A Picaria é a expressão lúdica dum tempo de faina indissociável de todo e qualquer tempo: releva de códigos de honra e de valores associados à exibição e reprodução da masculinidade. É o perigo que confere qualidade a um entendimento muito próprio de “homem”. Seguramente, ser conhecido como um valente e temerário é uma das considerações que envolve o ser na sua plenitude. A tradição ainda proporciona situações limite e excitação socializante.

A campinagem inscreve-se e resiste muito para além do tempo de trabalho, radicando em exclusivo numa filosofia de vida que só os corajosos podem interpretar, quer a solo quer em grupo, infundindo um espirito de solidariedade seja entre campinos seja entre estes e os animais indispensáveis à condução dos touros: cavalos e cabrestros. Os animais domesticados não são unicamente instrumentos mas também fontes de confiança e de conforto.

Por força do estatuto que o contacto com o perigo impõe por si, personalizado no touro bravo, a “vida brava” tem inspirado a legitimação das existências, desafiando a comprovação do carácter. É uma demanda revestida da mais solene ombridade onde nada mais existe do que o homem de corpo inteiro: os seus medos e a sua coragem. É por respeito que os “marialvas” discutem a galhardia no campo do campino, com o touro como mediador. A picaria é um jogo de transcendência em que se pode perder muito, a vida inclusive, e ganhar somente o reconhecimento e o respeito que a condição humana sempre exige. 

 

 

intimidade com a morte

 

 

Não basta a coragem, um bom cavalo e anos de experiência. A vida é intima da morte e sempre que a actividade humana ultrapassa os limites da previsibilidade e pode ser interrompida a normal boa ordem das coisas a sociedade implora a protecção de uma entidade superior. Entramos na ordem do sagrado e da intervenção divina como garantia da reposição da ordem face a uma ameaça entendida como caótica, como desordem: o touro. Os rituais exorcizam o perigo e dissipam a angústia.

 

 

 

aceleração da complexidade










 

O conjunto acelera a complexidade, eleva a incerteza ao mesmo tempo que ajusta a solidariedade. Não é a potência mas a fragilidade que inebria os cavaleiros. Armados de pampilho jogam-se numa correria vertiginosa com cavalos e cabrestros impelindo e avolumando a tensão das unidades: a interdependência assusta. A beleza é da ordem do sentir, dos corações que cavalgam a parada de cabrestros.

A condução do cabrestros é a representação de uma das fainas mais perigosas das lezíria: apartação e condução dos touros. 

 

 

exercício de confiança

 

 

 

Quando em grupo os touros são animais de fácil condução, que tomam os cabrestros e alinham indiferentes ao ritmo e caminho definidos. Mas quando isolados, os touros são perigossissímos e é nessa ocasião, então, na intenção de reconduzi-los ao seio da manada, que se impõe ao campino um arrojo e destemor a toda a prova. Os terrenos, normalmente acidentados, não ajudam, e a queda da montada sempre espreita, deixando o campino à mercê do touro, à colhida. Sem confiança no cavalo é impossível qualquer movimento seguro de aproximação ao touro. O cite, a reunião, a vara, acontecem sempre com o coração nas mãos, coração compassado com o coração do cavalo, com a agilidade e a perícia partilhada num tempo em comum. Encabrestar nunca é um exercício de solidão.

 

 

dilatação do tempo



 

A picaria é um exercício de domínio do touro, regido sob o signo da serenidade que só os mais hábeis e as melhores montadas permitem. O mérito da vara procede do “temple”, da dilação da reunião entre o cavaleiro a rês, aguentando o homem o touro na ponta do pampilho e na garupa da sua montada. 

A demora do temple é a representação manifesta do domínio de si e do mundo, evocada num conjunto harmonioso de velocidade, de poeira, de vontades dissonantes e riscos: trata-se de “mando”, de impôr-se sobre a resistência do touro. O temple é uma metáfora da domesticação do mundo, é a própria alma.

 

 

 

exaltação social

 

 

Correr perigo, estar mais perto da ameaça representa uma necessidade humana que a cultura transformou em desejo, pelos benefícios que traz a nível social e individual. Demonstrar valentia e bravura traz as suas vantagens. Os indivíduos que exibem determinados aspectos físicos atraentes ficam numa posição mais favorável em relação aos que não denunciam qualidade atractivas. Beneficiam de uma inclinação humana que acredita que as pessoas que têm uma característica positiva possuem também outras. Se o individuo fôr corajoso acabamos também por formular que será solidário. As sociedade funcionam, portanto, em referência a valores dominantes comuns que reflectem um determinado entendimento do mundo e da vida social. Cada sociedade reproduz um modelo de homem que sintetiza determinadas caracteristicas positivas e é exaltado socialmente. A picaria está também para além de qualquer lugar idílico ou utopia, é um lugar de confronto em que homens roubam o protagonismo a outros homens.


FOTOS: © Armando Isaac

TEXTO: © Vitor Mendes (antropólogo)

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